quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Se eu quisesse enlouquecia.

Se eu quisesse enlouquecia.
Fugia dos que caminham campos alagados. Vidas de águas paradas. Vidas que se atolam no chão lamacento dos seus dias. Como se o seu destino fosse enterrar os pés num lodo que os adoece de apatia. Deslizam na quietude dos pequenos vícios e chamam-lhe felicidade. Caminhar como o vizinho é a única certeza da estagnação do pensamento e da qual fujo antes que a morte se antecipe.

Se eu quisesse enlouquecia.
Despia-me deste corpo e caminhava sobre a mediocridade com a serenidade de quem atravessa campos de trigo. O trigo de verão que me acaricia a cara como o sol que não há. No céu inteiro de dúvidas, doira-me os olhos e faz-me acreditar que os dias se merecem.
Um sol que aquece o meu céu interior. Um céu que nasce todos os dias desde o dia em que o céu cá fora se fechou. A água, mesmo fria e lamacenta ainda me lembra os dias que dela nasci antes de ser pantanosa. Quando era apenas limpa e quente. E caminhado o meu campo alagado toco com a ponta dos dedos nas espigas de esperança e volto a acreditar que os dias me merecem.

Se eu quisesse enlouquecia.
Deixava de flutuar nos medos que me escravizam as noites e acordava em manhãs novas de fé que emergem em cada dia alagado.
A água, mesmo escura, é vida. Na água tudo é leve. Tudo parece o que não é. A opacidade da sua cor distorce a dor de não sermos. Apenas perecemos, todos dos dias, mais um dia. Com ela, escorro pelos dias, lavo a tristeza dos outros que é a minha mas que em mim não aceito.

Se eu quisesse enlouquecia.
Parava de me caminhar. De rasgar com a força das pernas a monotonia dos dias alagados. De contrair a carne que tende a cair de melancolia, agitar o sangue com a poesia dos pequenos gestos e deter o coração de bater seguro enquanto resisto à inércia das horas e à coerência da felicidade. 
Renunciava a ser disforme. Seria apenas uniforme e conforme.
Desistia de escolher o curso da minha água. De olhar para traz e ver o meu rasto ainda marcado no sentido da vida.

Se que quisesse enlouquecia.
Se não fosse já louca.

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